O sorriso de Alan Almoedo postado em uma comunidade do site de relacionamentos Orkut é simplório. Alan está vestido com uma camisa de adolescente, aponta um olhar suave e expressivo e daquele olhar parece sair a confiança no que haveria daqui adiante.
Aprovado no vestibular de Direito da UFRN, Alan Almoedo orgulhou seus pais, comemorava a vitória de sua vida e o sonho se espatifou numa madrugada. O carro em que estava com outros amigos destruiu um lava-jato perto da AABB, no Tirol, área nobre da cidade.
A morte de Alan Almoedo, de 17 anos, é uma porrada em quem tem filho e sensibilidade mínima. Claro, os urubus de desgraça apontaram a irresponsabilidade como causa e a condição social de classe média, motivo para a tristeza que invadiu o domingo.
Quando morre um menino, quem já foi menino se vai um pouco. Tomei um susto ao acordar por volta das cinco da manhã, o que não é costume aos domingos, e, por instinto, acionar a internet pelo celular e ver imagens chocantes feitas pelo fotógrafo Canindé Soares, que deu uma aula de jornalismo e comprovou que notícia não obedece a horários de repartição pública.
Retornei no tempo, há 28 anos, num episódio que para mim é uma caixa-preta emocional. Na mesma avenida, um pouco à frente, perdi um grande amigo num acidente bizarro, noite de domingo de comemoração de título do Flamengo, naquele 29 de maio de 1983, o Flamengo de Zico, campeão brasileiro.
José Henrique Brandão Ramalho passou como um bólido em sua moto RDZ, uma máquina de então e chocou-se com vacas que desciam o Morro de Mãe Luiza e surgiram do nada em frente ao Estádio Juvenal Lamartine. Morreram José Henrique, o Piaba, 15 anos, e Cássio Felipe, seu garupa, 15 anos idem. Ver José Henrique no caixão com a farda do Marista será uma imagem inquietante até o fim dos meus dias.
Fiquei abismado de novo, aos 40 anos. Um grupo de adolescentes, sem a malícia que o tempo ensina e forma os doces malandros, arriscou numa ultrapassagem para lugar nenhum. Vários ficaram feridos e o cadáver de Alan me remeteu de imediato à dor dos seus pais, que sequer conheço, mas me sinto igual ,pois tenho filho na mesma idade e geração e também aprovado no vestibular desse ano.
Corri ao quarto dele. Que já estava de computador ligado e o telefone tocando para os seus amigos. O meu filho é um tímido e um tímido sofre em dobro. Carrega para dentro sua dor e um pai sabe enxergá-la no aspecto sombrio de uma face abatida.
Um dos seus melhores amigos, Guilherme Negreiros, estava no carro. Meu filho, contido, estava emocionado e ninguém mais do que eu para reconhecê-lo assim, ainda que se fizesse de forte como são donos do mundo todos os transitórios da juventude para a pragmática e irremediável condição de adulto. Guilherme Negreiros saiu ferido, meu filho o visitou e ainda está num abatimento calado.
Volto-me à sina dos pais. Sou daqueles que não dormem enquanto ele não chega, pergunto como ele está quando na rua pelo telefone a ponto de causar sua irritação. Imponho regras, sou obcecado com segurança e cuidados básicos. Nossos filhos precisam entender nosso sacrifício e saber que o cotidiano deles é bem diferente da criação que tivemos. Vivemos, hoje, para nos proteger sem descuidar do mal cada vez mais próximo, da mesa, da esquina, de casa, da festa, do show, da rua, da internet.
Um doce olhar de minha mãe-avó e eu sabia direitinho o meu lugar. Nunca apanhei dela. Convivi com nãos, me revoltei, mas assimilei o que desenho para Caio e Maria Alice, uma mocinha de 11 anos. A ela, digo sempre “todo cuidado com o computador.” Triste do pedófilo que um dia chegar perto da minha filha.
Sofro quando parte uma criança. Alan era um menino, como meninas eram Maisla e Maria Luiza, assassinadas em bairros pobres em crimes sexuais horrendos e ainda, principalmente no segundo caso, sem qualquer solução concreta. Sofro pelas mães que perdem seus filhos para o crack nas vielas em que nós, os cidadãos da Zona Leste, nem pensamos em pisar.
Aprendi, ainda, na própria pele, que consolar sofrimento dos outros é lenitivo inútil. Culpar famílias é covardia. Ser solidário, não. Aprendi também que dor não tem condição social. Imagine quando ela é o revés do parto, realidade dos pais de Alan Almoedo, musicada por Chico Buarque de Holanda.
Aprovado no vestibular de Direito da UFRN, Alan Almoedo orgulhou seus pais, comemorava a vitória de sua vida e o sonho se espatifou numa madrugada. O carro em que estava com outros amigos destruiu um lava-jato perto da AABB, no Tirol, área nobre da cidade.
A morte de Alan Almoedo, de 17 anos, é uma porrada em quem tem filho e sensibilidade mínima. Claro, os urubus de desgraça apontaram a irresponsabilidade como causa e a condição social de classe média, motivo para a tristeza que invadiu o domingo.
Quando morre um menino, quem já foi menino se vai um pouco. Tomei um susto ao acordar por volta das cinco da manhã, o que não é costume aos domingos, e, por instinto, acionar a internet pelo celular e ver imagens chocantes feitas pelo fotógrafo Canindé Soares, que deu uma aula de jornalismo e comprovou que notícia não obedece a horários de repartição pública.
Retornei no tempo, há 28 anos, num episódio que para mim é uma caixa-preta emocional. Na mesma avenida, um pouco à frente, perdi um grande amigo num acidente bizarro, noite de domingo de comemoração de título do Flamengo, naquele 29 de maio de 1983, o Flamengo de Zico, campeão brasileiro.
José Henrique Brandão Ramalho passou como um bólido em sua moto RDZ, uma máquina de então e chocou-se com vacas que desciam o Morro de Mãe Luiza e surgiram do nada em frente ao Estádio Juvenal Lamartine. Morreram José Henrique, o Piaba, 15 anos, e Cássio Felipe, seu garupa, 15 anos idem. Ver José Henrique no caixão com a farda do Marista será uma imagem inquietante até o fim dos meus dias.
Fiquei abismado de novo, aos 40 anos. Um grupo de adolescentes, sem a malícia que o tempo ensina e forma os doces malandros, arriscou numa ultrapassagem para lugar nenhum. Vários ficaram feridos e o cadáver de Alan me remeteu de imediato à dor dos seus pais, que sequer conheço, mas me sinto igual ,pois tenho filho na mesma idade e geração e também aprovado no vestibular desse ano.
Corri ao quarto dele. Que já estava de computador ligado e o telefone tocando para os seus amigos. O meu filho é um tímido e um tímido sofre em dobro. Carrega para dentro sua dor e um pai sabe enxergá-la no aspecto sombrio de uma face abatida.
Um dos seus melhores amigos, Guilherme Negreiros, estava no carro. Meu filho, contido, estava emocionado e ninguém mais do que eu para reconhecê-lo assim, ainda que se fizesse de forte como são donos do mundo todos os transitórios da juventude para a pragmática e irremediável condição de adulto. Guilherme Negreiros saiu ferido, meu filho o visitou e ainda está num abatimento calado.
Volto-me à sina dos pais. Sou daqueles que não dormem enquanto ele não chega, pergunto como ele está quando na rua pelo telefone a ponto de causar sua irritação. Imponho regras, sou obcecado com segurança e cuidados básicos. Nossos filhos precisam entender nosso sacrifício e saber que o cotidiano deles é bem diferente da criação que tivemos. Vivemos, hoje, para nos proteger sem descuidar do mal cada vez mais próximo, da mesa, da esquina, de casa, da festa, do show, da rua, da internet.
Um doce olhar de minha mãe-avó e eu sabia direitinho o meu lugar. Nunca apanhei dela. Convivi com nãos, me revoltei, mas assimilei o que desenho para Caio e Maria Alice, uma mocinha de 11 anos. A ela, digo sempre “todo cuidado com o computador.” Triste do pedófilo que um dia chegar perto da minha filha.
Sofro quando parte uma criança. Alan era um menino, como meninas eram Maisla e Maria Luiza, assassinadas em bairros pobres em crimes sexuais horrendos e ainda, principalmente no segundo caso, sem qualquer solução concreta. Sofro pelas mães que perdem seus filhos para o crack nas vielas em que nós, os cidadãos da Zona Leste, nem pensamos em pisar.
Aprendi, ainda, na própria pele, que consolar sofrimento dos outros é lenitivo inútil. Culpar famílias é covardia. Ser solidário, não. Aprendi também que dor não tem condição social. Imagine quando ela é o revés do parto, realidade dos pais de Alan Almoedo, musicada por Chico Buarque de Holanda.
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