terça-feira, 8 de março de 2011

Boa leitura!!!


Internet traiçoeira, por Rubens Lemos Filho

A inteligência genuína foi bem mais eficiente que as armas de fogo de calibres desiguais contra a Ditadura. O Estado de São Paulo, que apoiou por ideologia a queda de João Goulart e notou depois ter ajudado no parto de um monstro, substituía textos censurados por versos de Camões, mensagens cifradas, horóscopos diagonais.
 
Os órgãos de imprensa quando a tortura fez a cuíca roncar nos porões em afogamentos e paus-de-arara, brandiram espadas e usaram até o humor para enfrentar os seus algozes. Escalavam jornalistas geniais, de formação letrada e faro noticioso, algo sepultado nos dias atuais em raríssimos casos.

Saber escrever é tão importante quanto botar voçê, assim, com cedilha, em tempo real. Chefetes elogiam quem põe a informação logo, mesmo que ninguém entenda, quando deveria ser o correto, que competente é quem é ligeiro e fagueiro com as palavras, como um craque das antigas fazia com a pelota.

Ainda com censores de inteligência de topeira, os jornais conseguiam furar o cerco. Na malandragem, até seduziam os interventores do regime, lhe davam porres, voltavam às redações, publicavam os textos originais e o bedel que se entendesse com os seus superiores.
 
Nunca, nem no chumbo, o anonimato. Nunca, não. Havia, nos codinomes que os jovens sonhadores usavam para driblar sem a menor malandragem de Garrincha ou Julinho Botelho, o aparelho repressor feroz como uma horda de urutus oficialmente humanos.
 
Mino Carta fez milagre na Veja. Ricardo Kotscho criou a expressão mordomia. Clóvis Rossi escreveu belíssimas páginas na Folha de São Paulo. José Hamilton Ribeiro produziu reportagens que até hoje emocionam como drama de ação cinematográfica em páginas empoeiradas. Homens de verdade.
 
Quando o mundo vai se modernizando, o que se pensa é que as índoles seguem proporção idêntica. Engano, seu dinossauro. A mídia digital condena os homens que resistem ao prazer de abrir um jornal, ler cada página, sentir o cheiro de tinta e chumbo à condição de reles beneficiários de favores.
 
Os donos são os que dominam o linguajar complicado que pode vir como vier, em tempo algum fará quem é do ramo esquecer o que é uma informação ou uma escrita qualificada. Quando quem compra um carro novo entra nele e sai passeando, eu imagino(não sei ligar um carro, novo ou velho e sair passeando), não vai tolerar qualquer defeito.

Quem navega na internet espera a perfeição aperfeiçoada a cada milésimo de centésimo de centelha de um átimo. Tudo dentro da precisão, da concisão e da ética. Vieram os sites dos jornais, depois os blogs, o, Orkut, o twitter, o facebook, o badoo, o google, a Wikipédia, os hackers, os experts, os nerds, os fucks. Nada em português como farofa, sardinha, pipoca, Pelé, lingüiça, cerveja, mulata, cabrocha ou Cartola.

A web está pior do que a ditadura, numa análise fria e imparcial. Respeito quem tem um blog e assina, põe a cara, diz o que quer e encara as conseqüências. Tem coragem quem assim age.

A internet, infelizmente, é cortina macabra para quem aparece à sua frente, senta com você, lhe telefona, lhe chama de amigo, confessa admiração por seu trabalho e, na calada da noite, cria um blog apócrifo para achincalhar a honra de quem quer que lhe tenha contrariado o interesse pessoal ou menos nobre.
 
Não deixa de ser inovadora a versão moderna do dedo-duro. Dos autores e autores de cartas e telefonemas covardes para acabar casamentos, destruir reputações, tomar empregos. Meu pai, por exemplo, foi entregue no aperto de torniquete do Golpe por um parente criado como um irmão.
 
Apanhou 44 dias seguidos, arrancaram-lhe (todas) as suas unhas e voltou robusto como um tísico. O delator morreu tempos depois. Se dormiu enquanto viveu, irrelevante saber. Aconteceu em 1973, faz tempo. Imagine se abrissem um comentário para ele num blog sem rosto nem caligrafia assumidos. Mas foi anonimato. Às antigas. A covardia é que é contemporânea.
 
 

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