A eleição de Francisco Everardo Oliveira Silva (PR-SP), o palhaço Tiririca, deputado federal mais votado neste ano, com mais de 1,3 milhão de votos, levantou uma polêmica que deverá ser discutida nos próximos dois anos, ao fim dos quais os brasileiros voltarão às urnas para eleger os novos representantes municipais: os analfabetos têm direito de se candidatar? Dois projetos de lei divergentes tramitam no Senado e na Câmara dos Deputados. A proposta mais antiga, do deputado federal Manoel Júnior (PSB/PB), proíbe o analfabeto funcional - que tem menos de quatro anos de estudos - de disputar eleições. Na contramão, o projeto do senador Magno Malta (PR-ES), inspirado no caso Tiririca, prevê a elegibilidade para os analfabetos.
Jovens e idosos analfabetos relatam histórias de dificuldade e superação A legislação atual não permite que analfabetos se candidatem a cargos eletivos. No entanto, nesse grupo não estão incluídas as pessoas que foram alfabetizadas mas são incapazes de ler, escrever, interpretar e utilizar as operações matemáticas básicas nas funções de seu cotidiano. Neste ano, 924 candidatos registraram que sabiam apenas ler e escrever ou tinham ensino fundamental incompleto, ou seja, que poderiam se enquadrar nas condições de analfabeto funcional. Eram dois para presidente, cinco para governador, quatro para senador, 219 para deputado federal e 672 para deputado estadual ou distrital. Outros cinco candidatos declararam ser analfabetos.
Para Magno Malta, reeleito este ano, a legislação é discriminatória. Ele argumenta que o analfabetismo não torna as pessoas incapazes ou menos inteligentes. "O homem tem que ser medido pelo seu caráter. Os escândalos passam pelos sábios", afirma. A defesa do senador é embasada no número de analfabetos registrados no Brasil. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), até 2009, havia 14,1 milhões de brasileiros de 15 anos de idade ou mais sem saber ler e escrever, o que correspondia a 9,7% da população. Os analfabetos funcionais faziam a população iletrada subir para 20,3% do total.
"Em um país que não dá condições à população de estudar, é incoerente uma legislação que exclui os analfabetos. Eles têm o direito de votar, mas não podem ser votados'', pontua. Magno Malta compara as pessoas que não sabem ler e escrever com os deficientes visuais. Segundo ele, assim como os cegos, os analfabetos receberão o auxílio dos assessores. "A função do assessor é dar apoio a nós, parlamentares, nos assuntos em que não nos aprofundamos, nas nossas fragilidades", defendeu.
O deputado reeleito Manoel Júnior, entretanto, ressalta que nem toda prefeitura ou Câmara Municipal tem um corpo técnico eficiente para assessorar os políticos. "A nossa legislação é complexa. O prefeito de uma cidade pequena pode acabar cometendo um crime de improbidade por desconhecimento", defende. Ele afirma que sua proposta não é discriminatória, pelo contrário. Segundo o socialista, a ideia é proteger os analfabetos de entrarem " numa fria".
O Projeto de Lei Complementar (PLP) 47/07, que trata do assunto, de autoria de Manoel Júnior, ainda autoriza o juiz eleitoral a realizar perícia para comprovação de analfabetismo por intermédio de comissão formada por pedagogos e professores de matemática e português. Atualmente, essa avaliação é definida pelo próprio magistrado, sem regulamentação específica.
O presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB, Rodolfo Viana Pereira, explica que o analfabeto é inelegível, mas ser alfabetizado não é uma condição de elegibilidade e, portanto, o teste aplicado pelo magistrado deverá ter como objetivo comprovar se a pessoa tem noção da leitura e da escrita independentemente do conteúdo. Devido a abusos de um grupo de juízes eleitorais, a Justiça definiu critérios para a aplicação da prova: ela deverá ser individual e reservada. Na hora de registrar a candidatura, segundo Rodolfo, o candidato não precisa apresentar um documento formal que comprove a condição de alfabetizado.
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